terça-feira, fevereiro 06, 2007

overdose de bernardo soares

"viver é ser outro. nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. apagar tudo do quadro, de um dia para outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua de emoção - isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente... somos!

esta madrugada é a primeira do mundo. nunca esta cor rosa amarelecendo para branco quente pousou assim na face com que a casaria de oeste encara com olhos vidrados o silêncio que vem da luz crescente. nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser. amanhã, o que for será outra coisa, e o que eu vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão. altos montes da cidade! grandes arquiteturas que as encostas íngremes seguram e engrandecem, resvalamentos de edifícios diversamente amontoados, que a luz tece de sombras e queimações - sois hoje, sois eu, porque vos vejo, sois o que [serei?] amanhã, e amo-vos da amurada como um navio que passa por outro navio e há saudades desconhecidas na passagem.
" (f. pessoa)

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