domingo, abril 15, 2007

capitalismo inconseqüente

a escolha da unidade de apartamento no prédio onde decidi morar poderia ter sido feita com base no critério padrão: melhor orientação de acordo com a rota de nascer/pôr do sol, que segundo os entendidos são as unidades com face Norte. mas então, antes mesmo da decisão pelo prédio eu já havia feito uma outra menos ortodoxa: a escolha por morar em frente a uma das últimas quadras verdes, recheadas de pinheiros, ipês e outras árvores centenárias da região de santo amaro.

olhando de baixo, ou seja, do nível da rua, muitas foram as minhas idas e vindas pela região, durante meus vai-véns diários de cada para o trabalho para casa, confesso, só para contemplar a beleza do verde da quadra, um oásis em meio à selva de pedras do entorno.

nem é preciso dizer que a escolha do prédio e da unidade de apartamento de frente para o verde, foram absolutamente pautadas pelo terreno vizinho. olhando do alto do 11°, depois de me mudar, descobri que a densidade do verde do terreno era bastante irregular, concentrada nas laterais, já que havia um esqueleto de construção no centro esquerdo de quem olha do meu prédio. me explicaram que o dono havia iniciado obras de construção de uma galeria comercial, que fora embargada pela prefeitura na década de 50 e permanecia inacaba desde então - e sem possibilidade de retomada por conta da lei de zoneamento.

os tempos mudaram, a prefeitura da marta (afe! ela mesma!) aprovou o absurdo do que veio a se tornar a nova lei de zoneamento da cidade, e cá estamos senhores: uma das últimas quadras verdes, com vegetação original e centenária da região, fora partilhada em duas metades: uma que veio a se tornar o chamado "Bosque do Brooklin" (faça-me rir!)... e outra que abrigará o "progresso", traduzido em 3 torres de 36 (sim, eu disse trinta e seis!) andares. Do dia para a noite, isso significa a bagatela de 350 novas famílias habitando o espaço vertical da antiga quadra verde. Dado o nível de congestionamento e ruído das imediações (santa janela anti-ruído!), nem quero pensar em como vai ser a vida nova, quando essa gente toda se mudar para cá...

as obras seguem, e numa das maiores operações cara de pau do mundo, os construtores (Cyrela) vão providenciando não o transplante, mas a derrubada de uma a uma das árvores centenárias do local, incluindo as que ficam nos cantos do terreno, que visivelmente em nada obstruem o estabelecimento do progresso. E chamam por nome bonito: dizem que estão "podando" as árvores para não comprometer o abastecimento de energia elétrica. Ahhh, mudou de nome agora... porque lá do nível da rua as seqüelas do capitalismo inconseqüente não são visíveis, mas fiquei numa tristeza só, assistindo de camarote, ao espetáculo pirotécnico entre guindaste e motoserras, todos empenhados em eliminar o mal pela raíz... transformando o que foi a razão principal da minha opção por esta casa, em pedacinhos de madeira amontoados em caminhão de lixo orgânico... Meu coração está verdadeiramente em luto hoje.

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