quinta-feira, março 13, 2008

para gostar de literatura: a vida de pi

terminei hoje de ler um dos livros mais fascinantes aos quais tive acesso nos últimos tempos: a vida de pi, de yann martel. o livro ficou famoso no brasil por causa de um suposto caso de plágio. o tema é baseado no livro max e os felinos, escrito pelo brasileiro moacyr scliar. para quem quiser saber mais sobre o caso, o observatório da imprensa publicou uma matéria bem interessante.

apesar de ter ficado longo, aproveito para compartilhar aqui alguns dos trechos que fiz questão de registrar para ler outras vezes. simplesmente belíssimo exemplo de uso da língua para expressão de sentimentos! aí vai...

"a vida é tão bela que a morte é apaixonada por ela, um amor ciumento e possessivo que agarra o que pode. mas a vida não se deixa prender pela morte e a tristeza é apenas a sombra passageira de uma nuvem."

"é interessante notar que o leão mais sensível aos truques do domador do circo é o que ocupa a mais baixa posição do grupo, o animal ômega. tem o máximo a ganhar de um estreito relacionamento com o domador superalfa. não é só uma questão de regalos extras. o estreito relacionamento também vai significar a proteção dos outros membros do bando. é esse animal dócil, em nada diferente, para o público, dos outros em tamanho e aparente ferocidade, que é a estrela do espetáculo, enquanto o domador deixa os leões beta e gama, subordinados irascíveis, sentados em seus coloridos barris na margem da arena. o mesmo ocorre com outros animais de circo e também se vê em zoológicos. os animais socialmente inferiores são os que mais fazem os engenhosos esforços para vir a conhecer seus tratadores. acabam se revelando os mais fiéis a eles, os mais necessitados de sua companhia, os com menos probabilidade de desafiá-los ou se mostrar difíceis. o fenômeno foi observado com grandes felinos, bisão, veado, cabra-selvagem, macacos e muitos outros animais. é um fato de conhecimento comum no ofício."

"a morte iminente já é bastante terrível, mas ainda pior é a morte iminente com tempo de sobra, tempo em que toda felicidade que tínhamos e toda a felicidade que ainda poderíamos ter se tornam claras para nós. a gente vê com absoluta lucidez tudo o que vai perder. a visão provoca uma tristeza opressiva a que nenhum carro prestes a nos atropelar ou água prestes a nos afogar se equipara."

"alguns de nós desistem da vida com apenas um suspiro resignado. outros lutam um pouco, depois perdem a esperança. outros ainda - e me incluo entre estes - jamais desistem. lutamos, lutamos e lutamos. lutamos não importa o custo da batalha, as perdas que sofremos, a improbabilidade de sucesso. lutamos até o fim. não é uma questão de coragem. é algo físico, uma incapacidade de desistir. talvez não seja mais que uma avidez estúpida pela vida."

"preciso dizer uma palavra sobre o medo. só o medo pode derrotar a vida. ele é um adversário inteligente e traiçoeiro, eu bem sei. não tem ética alguma, não respeita nenhuma lei ou convenção, não demonstra qualquer misericórdia. vai atrás de nosso ponto mais fraco, o que encontra com inequívoca facilidade. começa sempre em nossa mente, sempre. num momento, a gente está se sentindo calmo, com autodomínio, feliz. então o medo, disfarçado de dúvida, de modos suaves, entra furtivamente em nossa mente, como um espião. a dúvida se encontra com a descrença e a descrença tenta enxotá-la. mas a descrença é um soldado de infantaria pobremente armado. a dúvida acaba com ela sem muito problema. a gente fica ansioso. surge a razão para lutar por nós. a gente se sente tranqüilizado. a razão é totalmente equipada com a tecnologia das armas mais modernas. contudo, para nosso espanto, apesar de sua tática superior e de inúmeras vitórias inegáveis, a razão é derrubada. a gente se sente enfraquecendo, oscilando. nossa ansiedade se transforma em pânico. o medo em seguida volta-se com força total para nosso corpo, que já sabe que alguma coisa terrivelmente errada está acontecendo. a essa altura os pulmões já voaram longe como um pássaro e as entranhas se afastaram, escorregadias como uma serpente. a língua então cai morta como um gambá, enquanto o maxilar se põe a galopar. os ouvidos ensurdecem. os músculos começam a tremer como se estivessem com malária e os joelhos a sacudir como se dançassem. o coração se esforça demais e o esfíncter relaxa demais. e assim acontece com o resto do corpo. cada parte de nós, da maneira que mais lhe convém, se desintegra. só os olhos funcionam bem. sempre prestam atenção correta ao medo. logo passamos a tomar decisões precipitadas. descartamos nossos últimos aliados: a esperança e a confiança. aí, nós mesmos já nos derrotamos. o medo, que não passa de uma impressão, triunfou sobre nós. o problema é difícil de pôr em palavras, pois o medo, o verdadeiro medo, daqueles que nos abalam até as bases, como o que sentimos quando somos levados a enfrentar nosso fim mortal, aninha-se em nossa memória como uma gangrena: tenta apodrecer tudo, até as palavras para falar dele. assim, precisamos nos esforçar mais ainda para expressá-lo. e lutar para acender-lhe a luz das palavras. porque, se não o fizermos, se o medo se tornar uma escuridão inexprimível que passamos a evitar, e talvez até consigamos esquecer, nos abriremos para outros ataques de medo, porque jamais combateremos verdadeiramentre o adversário que nos derrotou."

"na vida, é importante concluir tudo corretamente. só então podemos nos soltar. do contrário, permaneceremos com palavras que devíamos dizer mas nunca o fizemos, e com o coração pesado de remorso."

2 comentários:

Karen S disse...

Acabo de ler este livro espetacular e busquei alguns comentários sobre o mesmo. Achei este aqui, que aliás foi o que me fez ler o livro. Leitura interessante, vívida...levou-me exatamente ao lugar em que o personagem se encontrava e a pensamentos sobre a vida e a natureza humana. Ainda estou refletindo. Um abraço e obrigada pela dica. Karen.

sheila maceira disse...

Fico contente que esta postagem possa ter encorajado alguém a encarar esta leitura fascinante. Este livro me absorveu por completo da primeira à última linha. É um prazer saber que tocou a outros de forma semelhante.. :)
Grande abraço!