domingo, dezembro 27, 2009

licença literária: a música desperta o tempo


grande apreciadora do daniel barenboim pianista, diretor artístico e regente de grandes orquestras, descobri com alegria recentemente o barenboim escritor, com a obra a música desperta o tempo.

parte da discussão proposta pelo livro foi tratada pelo autor com sua west-eastern divan orchestra, durante um seminário conduzido no Festival de Salzburg em 2007 (Áustria). com alegria - e quase que por acaso - assisti parte deste seminário transmitido com exclusividade pelo canal a cabo Film&Arts na série School for the Ear. após uma pequena pesquisa, encontrei a série disponível no youtube e aproveito para deixar aqui abaixo o link para a primeira parte, para quem quiser conferir (a partir do primeiro é possível acessar os demais na seção de links relacionados).

mas voltando ao livro. seu primeiro capítulo é aberto com a afirmação "acredito veementemente que seja impossível falar sobre música". felizmente, o autor logo assume a responsabilidade por "tentar o impossível" e nos promete delinear conexões entre o conteúdo inexprimível da música e o conteúdo inexprimível da vida.

me pareceu particularmente interessante a discussão sobre a diferença entre "escutar" e "ouvir". de fato, num tempo onde a imagem é tão valorizada, o empobrecimento do sentido da audição é uma verdade bastante inconveniente e nos estimula, infelizmente, a ouvir sem escutar. ou como muito bem lembrado por barenboim, pior ainda é a tendência contemporânea - especialmente na propaganda - de reduzir a música a um "barulho" de fundo, criando falsas associações e novamente, levando as pessoas a ouvir sem se concentrar, por simples imposição da imagem.

a partir do capítulo 3, "liberdade de pensamento e interpretação", barenboim cria as bases para o raciocínio que vai desenvolver até o final do livro, tomando por base uma proposição presente na ética de spinoza: "o homem pensa". ainda segundo o autor, muitos dos tópicos apresentados têm ocupado seus pensamentos por décadas, constituindo o resultado de quase sessenta anos de atuação, instrução e contemplação.

o resultado não poderia ser mais feliz. aos meus olhos (ou seriam ouvidos?), o autor parece, se não conseguido exprimir o impossível, ter chegado bastante próximo disso. excelente reflexão sobre o "ar sonoro" das palavras do pianista e compositor alemão ferrucio busoni. porém não menos importante destacar ainda o belo discurso sobre música e política, através dos relatos dos feitos da west-eastern divan orchestra, assim batizada em homenagem aos poemas homônimos de goethe, publicados em 1819, e uma das primeiras obras reconhecidas como exemplar do interesse genuíno de um europeu sobre outras culturas. excelente leitura!

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